O Colesterol - Inimigo do Coração I: algumas noções elementares.


A ideia deste blogue nasceu de um olhar sobre a minha experiência recente. E a sua justificação resultou de factos ocorridos com pessoas que me são próximas. Há cerca de dois meses, o meu marido teve um enfarte do miocárdio, um «ataque de coração». A aflição e os cuidados, a atenção exigida por uma situação nova, as conversas que tivemos, os instrumentos de que nos fomos munindo, o que fomos aprendendo com a leitura, tudo isso contribuiu para amadurecer a ideia de deixar aqui algumas notas, por mais aproximativas e incipientes que elas possam ser.

Dou aqui notícia, principalmente, de receitas de culinária consideradas «saudáveis» (mesmo para «doentes do coração»), procurando, ao mesmo tempo, fixar algumas noções importantes, acerca das reacções do nosso corpo aos alimentos. O «ataque de coração» é, aliás, uma dessas reacções, mais ou menos retardadas. «Retardadas» porque o facto de muitos livros recomendarem um exame da taxa de colesterol em intervalos de 5 anos, a partir dos 45 anos, já indica que o vulgarmente chamado "mau colesterol" se vai depositando de forma bastante lenta e imperceptível. Como diz o Dr. Luis Masana Marín, no seu Compreender o colesterol:




«O colesterol é um inimigo silencioso. Ainda que as concentrações do mesmo no sangue subam muito, não provoca qualquer sintoma [...] não dispara qualquer alerta, vai realizando a sua acção prejudicial [...], ao longo de muitos anos, num processo lento, mas constante. Quando o colesterol provoca sintomas, provavelmente já será demasiado tarde para prevenir os seus efeitos.» (Compreender o Colesterol, trad. de Inês Guerreiro, Lisboa, Plátano, 2009).

Tal bastaria para que, neste como em outros aspectos, a partilha de uma informação mais completa e precisa se tornasse necessária. Há muito pouca coisa publicada em Portugal sobre estas questões, tratadas mais especificamente. E não só sobre elas, mas também sobre receitas apropriadas à necessidade de compensar ou inverter tais processos. Recentemente apareceu uma colecção muito interessante de livros de receitas, com uma introdução feita por um especialista sobre questões deste tipo (nutrição / reacções bioquímicas do nosso corpo), publicada pela Texto Editora em 2008. Aqui a capa - com o «preço de editor» - com o título Cozinha Saudável: colesterol.


Vale a pena ler a introdução, da autoria da Drª Graça Vargas, num texto breve mas muito actual, escrito sem demasiados tecnicismos, atento aos moldes da compreensão do leitor mais comum. E depois aplicar pelo menos algumas das receitas que nos são trazidas pelo Chefe Hélio Loureiro (que todos conhecemos da televisão). Digo algumas porque, em matéria de «gostos» a escolha é sempre nossa, o que não acontece com os factos da nossa biologia, onde os nossos gostos não interferem no sentido de os poder modificar.

Na mesma colecção um outro livro é dedicado ao anti-envelhecimento. Dar notícia destes instrumentos e de noções que entretanto fomos adquirindo, é o que aqui tentaremos fazer, à medida que nos for sendo possível. Falar do «colesterol» - de uma forma um pouco menos vaga do que habitualmente - é tarefa mais complexa e demorada do que aquela a que, por motivos de espaço e de tempo, aqui nos propomos. Deixamos ao leitor, no entanto, de forma bastante resumida, alguns esclarecimentos, muitas vezes necessários a quem pela primeira vez se confron-ta com este tipo de problemas.

I - Acrónimos: Em primeiro lugar, que significam os acrónimos «LDL» (outra forma de nos referirmos ao «mau colesterol») e «HDL» (o «bom colesterol»)? Essas fórmulas dizem respeito, respectivamente, em inglês, às expressões «Low Density Lipoprotein» e «High Density Lipoprotein» - cuja tradução portuguesa é «Lipoproteína de Baixa Densidade» e «Lipoproteína de Alta Densidade» - e referem-se ao facto de, em primeiro lugar, não haver propriamente dois tipos diferentes de colesterol, mas a mesma molécula de colesterol em duas situações diferentes, sob a forma de «lipoproteína» (lipo= gordura + proteína). Enquanto elemento bioquímico, o colesterol tem uma função vital na divisão e na vida das células do nosso organismo. Sem ele não poderíamos, de facto, viver.

«A molécula do colesterol faz parte de todas as membranas das células e das suas estruturas internas. As células são as unidades vivas que formam organismos como o nosso. Apresentam um núcleo que contém toda a informação genética e um citoplasma que o rodeia, que contém os alimentos e os elementos necessários para o seu funcionamento. Tanto o núcleo como a totalidade da célula estão envoltos nas estruturas que designamos por membranas. Estas membranas são constituídas, entre outros elementos, pelo colesterol. Este é como um cimento que permite dar homogeneidade à parede exterior e às [paredes] do interior da célula. Se no processo de divisão de uma célula eliminássemos o aporte de colesterol, abortaríamos a reprodução da mesma, ou seja, esta não se chegaria a formar. (Ibidem, pp. 11-12)»

O que acontece, no entanto, é que, não sendo o colesterol «solúvel» no sangue (tal como as gorduras - lembremo-nos do caso do azeite - não se dissolvem na água), a molécula de gordura assim designada, para ser transportada pela corrente sanguínea, tem de ser combinada com proteínas, que a envolvem e a transportam. As proteínas são nutrientes que têm, no nosso organismo, uma função «construtiva» ou «plástica». A designação «lipoproteína» refere-se ao composto assim formado por um núcleo de colesterol e uma estrutura envolvente de teor proteíco. Essa combinação é exigida, mais especificamente, pelo facto de as gorduras não possuírem campo eléctrico, ao contrário do que acontece com o plasma sanguíneo, não podendo assim ser nele transportadas. A criação de uma estrutura envolvente que lhe traz essa polaridade possibilita o seu transporte no sangue.

«Já alguma vez experimentou dissolver azeite em água? Impossível? Ora, é precisamente isso que as gorduras do nosso organismo, os lípidos, têm de fazer para circularem no sangue. Esta dificuldade [...] deve-se à falta de cargas eléctricas na superfície das gorduras, as quais não têm polaridade, são apolares, ao contrário da água e das substâncias hidrossolúveis, que são polares. Por esse motivo, para se poderem misturar com um meio polar, as gorduras envolvem-se em estruturas esféricas em cuja superfície existem elementos químicos que que lhes oferecem essa polaridade, sendo estas proteínas. [...]Em suma, são esferas em cujo interior se esconde o colesterol, [...] são os veículos em cujo interior o colesterol se desloca pelo sangue. Estes veículos não contêm apenas colesterol, mas também outras gorduras, como os triglicéridos. (Ibidem, pp. 15-16)»

 É, portanto, a partir daqui que se podem compreender as designações «LDL» e «HDL», cuja diferença assenta no atributo de grau quanto à densidade de proteínas da estrutura envolvente: alta ou baixa. Essa diferença refere-se à variação de densidade de proteínas envolvidas nesse composto a que chamamos «lipoproteína». No nosso organismo, a «Lipoproteína de Baixa Densidade» é produzida pelo nosso fígado, levada pelo sangue e liberta para depois «entrar» nas nossas células.

A Lipoproteína de Alta Densidade traduz uma outra forma de existência do mesmo colesterol no nosso organismo. O que acontece, no entanto, com o «bom colesterol» (HDL, «
Lipoproteína de Alta Densidade») é que ele tem uma função protectora, limpa as veias do «mau colesterol» (do LDL, «Lipoproteína de Baixa Densidade»), trazendo-o de regresso ao fígado para, a partir da bílis e, depois, através das fezes, ser excretado. O que torna, portanto, a escolha dos alimentos tão importante prende-se com o seu próprio teor de colesterol sob a forma de «lipoproteína», ou com as substâncias que neles podem ser transformadas, já no nosso organismo, em «mau» ou «bom colesterol», lipoproteína de «alta» ou «baixa densidade».

Como a produção endógena (interior ao nosso organismo) de colesterol é inevitável e, portanto, a necessidade de lidarmos com o «mau» colesterol também, isso significa que, quanto menos excesso de LDL tivermos melhor. Os pratos da balança devem desequilibrar-se a favor do HDL.