Colesterol e o «ataque cardíaco»

É um facto do nosso conhecimento corrente a nossa deliberada desatenção das consequências prejudiciais da nossa alimentação. Frente a qualquer prato delicioso, o colesterol e as terríveis consequências do seu depósito no sistema vascular tornam-se, de súbito, numa abstracção. Uma vez não são vezes e pronto: já está. A satisfação momentânea é uma espécie de crédito mal-parado contraído por muito tempo e com juros muito elevados. Falta, numa época em que se fala tanto de educação sexual nas escolas, uma disciplina, por exemplo, de «higiene e saúde alimentar e respiratória», associada às aulas de desporto ou de «educação física». Uma das consequências do depósito do colesterol nas paredes internas das veias é precisamente o chamado «ataque cardíaco». Outras são o «acidente vascular cerebral», a «trombose», etc. Todos eles podem ser imediatamente «fatais». Os sobreviventes são portanto pessoas cheias de sorte, avatares de uma espécie de «second life» com uma segunda oportunidade. 

No caso do chamado «ataque cardíaco» - designação comum correspondente à expressão mais técnica de «enfarte do miocárdio» - a sua ocorrência desencadeia uma série de acontecimentos e de necessários cuidados de reabilitação. Os sintomas que lhe estão associados são, respectivamente: por vezes uma sensação de ardor na região chamada «retro-external» (aquela que se situa por detrás - «retro-» - do osso que corre verticalmente no centro da ossatura do tórax, para onde convergem as nossas costelas - o «externo»); embora esse sintoma seja mais frequente nas senhoras, a verdade é que nos homens ele também ocorre. E como se trata de um sintoma que pode estar também associado a outras afecções, ele pode ser convergente ou confundido com outros sintomas. Por exemplo, com uma sensação de refluxo gástrico. No caso do meu marido, quando essa sensação lhe chegou, ele dirigiu-se a uma farmácia para comprar alguma coisa contra a acidez: pepsamar, etc.
Zonas de irradiação da dor no peito (duas tonalidades de cor), no enfarte do miocárdio.

Outros dos sintomas frequentes é, em seu lugar, uma sensação de aperto, de peso ou de pressão - o que lhe viria a acontecer num segundo episódio. (Na verdade, ele teve três episódios consecutivos do mesmo enfarte, o último dos quais já no hospital. É sempre prudente viver não muito distante dos hospitais, sobretudo se se trata de uma idade um pouco mais avançada e um dos critérios de aquisição e de localização de habitação pode justamente ser esse). Essa sensação de aperto, ou mesmo de dor, na mesma região retro-external, irradia, sob a forma de tensão ou maceração e sobe pelos tendões do pescoço, afectando a faixa da zona situada por debaixo de uma das mandíbulas (no caso dele a direita), como se se tratasse de uma moinha, como que a anunciar uma dor de dentes. 




Ao mesmo tempo, ela irradia, também, numa dor latejante, por detrás do braço (nele, por detrás do braço esquerdo; mas podia ter sido, também, do braço direito), até ao pulso (onde permanece intermitente). Mas os sintomas não se resumem a estes. Pois eles podem, também, ser acompanhados de falta de força nas pernas, sensação de enjoo ou de náuseas e de vómitos, assim como episódios de hiper-salivação (muitas vezes causados por desidratação). A primeira medida a tomar, nestes casos, para além de chamar o INEM (há já, no Sistema Nacional de Saúde, a funcionar, hoje em dia, uma «via verde coronária» que possibilita a entrada directa nos hospitais, graças à obra extraordinária iniciada por médicos tão importantes como o nosso muito estimado e conhecido Professor Fernando de Pádua, cuja notoriedade mediática se foi conquistando graças ao seu trabalho) é ingerir uma aspirina de 100 mg, (caso se não disponha de um comprimido de nitroglicerina, por exemplo o Nitromint, que deve ser colocado debaixo da língua). 


                              
















Deve além disso, enquanto pode, colocar-se numa zona de fácil acesso aos homens do INEM, que lhe virão bater à porta para o socorrer. Se estiver em casa, talvez seja melhor abrir, enquanto pode, a sua porta de casa. Os homens do INEM põem-no de imediato a oxigénio (um componente importante do que está a faltar ao seu músculo cardíaco, que pode ter entrado em «isquemia»
do grego ισχαιμία, «isch-» restrição, «-hema» ou «-haema» de sangue - isto é, em falta de sangue e, portanto, de oxigénio e de nutrientes essenciais ao seu funcionamento, dada a obstrução da artéria coronária, que afecta uma zona do seu músculo cardíaco). Além disso, medem-lhe uma série de parâmetros (tensão arterial, pulsação, etc), enquanto são acompanhados, ao telefone, por um médico do hospital (da Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia), ao qual transmitem os resultados dessas medições, recebendo, em troca, instruções quanto a procedimentos imediatos. A maior ou menor demora desses procedimentos dependerá, evidentemente, do seu estado, no momento em que é socorrido.

Uma vez no hospital é natural que lhe dêem, de imediato, uma injecção de morfina (com o cuidado de ser numa dose que não agrave o seu estado), para evitar o mal-estar e a ansiedade provocados pela dor. Colocam-no depois a nitrato de potássio (intravenoso), enquanto recolhem uma série de dados seus (urina e sangue) para análises imediatas e lhe fazem, posteriormente, uma vez já estabilizado pelo solução de nitrato de potássio, assim introduzida na sua corrente sanguínea, um electrocardiograma e, também, uma ecocardio-grafia.

Uma nota à margem: o Hospital de Faro, no Algarve, tem dos melhores cardiologistas do nosso país e, ainda, um 
excelente técnico de ecocardiografia, cuja intervenção é muitas vezes fundamental, na avaliação médica da situação do doente que acaba de entrar na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia; por outro lado, o Dr. Vitor Brandão é um dos médicos mais conceituados, tanto dentro quanto fora do nosso país. Foi ele quem efectuou o cateterismo ao meu marido. Mas há uma série de outros médicos, com os quais não pretendemos ser injustos, pela no entanto fatal omissão: o Dr. Nuno Marques, o Dr. Jorge Mimoso, a Drª Salomé Pereira, que foi quem deu baixa ao meu marido, e vários outros médicos que não cheguei a conhecer directamente, e a quem peço desculpa pela omissão. Aqui fica, pois, a minha nota, que é também de profundo agradecimento.

A primeira coisa que fazem, já na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia, à vítima de enfarte é uma análise ao sangue (que confirmará a ocorrência de um enfarte). Seguir-se-lhe-ão: a) um electrocardiograma e b) um ecocardiograma. No caso do meu marido, terá sido em face desses outros exames que se deliberou o cateterismo, em lugar da operação a peito aberto para implante de uma veia safena que permitisse contornar a região da veia anteriormente obstruída. O «cateterismo» pressupõe, neste caso, uma angiografia, a determinar, com precisão as zonas atingidas (mediante um raio-X da região coronária possibilitado pelo líquido de contraste injectado no sangue), e a necessidade de monitorização durante a «angioplastia» (que consiste na implantação, nessas regiões, de uma espécie de rede metálica tubular, transportada pelo cateter e alargada, no local, pelo balão insuflável que ele transporta na ponta; essas redes metálicas, que são já portadoras de fármacos preventivos contra a formação de coágulos ou trombos, são o contraforte, digamos, que permite manter a abertura da veia anteriormente estreitada pela sua obstrução).

Simplesmente, os fármacos que vão já nos «stents» (nome dessas redes tubulares de que acabámos de falar; cujo número máximo é de «seis» por cada intervenção) não bastam para manter afastado o perigo de trombose ocasionada pelo contacto do sangue com qualquer corpo estranho, para além do endotélio (revestimento da parede interior das veias que se estende às paredes internas das cavidades do músculo cardíaco). É preciso depois tomar, pelo menos durante um ano /ano e meio, quer anticoagulantes e hipotensores, quer medicamentos de diminuição drástica do teor do «mau colesterol» no sangue: a Aspirina de 100mg, o Clopidogrel, o Lopresor, a Sinvastatina, o Ramipril e, para as pessoas que os tomavam já anteriormente, algum ansiolítico em doses leves.

Por exemplo, um Alprazolan de 0,5 mg. Os medicamentos não devem, no entanto, justificar o luxo da imobilidade sedentária. É preciso caminhar, pelo menos 30 minutos diários, inicialmente e, em seguida, cerca de uma hora por dia, conforme nos recomendam todos os cardiologistas. São os mínimos da sobrevivência pós-enfarte, pois a probabilidade de se ter outro enfarte é dez vezes superior à de uma pessoa que nunca tenha tido enfarte, conforme nos dizem os médicos. Esses mínimos são a juntar a uma dieta saudável (sem açúcar - que se transforma em gordura, depois de incorporado no organismo; sem mais que uma quantidade mínima de sal; sem mais que um único café fraco, de manhã; sem gorduras animais, para o que é preciso muito cuidado com as manteigas, bem como com todos os alimentos que contêm gorduras escondidas, como é o caso das massas de pastel, que levam banha na sua confecção, ou da maior parte das bolachas, até mesmo as ditas «integrais», de que é preciso ler bem os rótulos, ou com as refeições fora de casa, onde uma «inofensiva» sopa de peixe ou um creme de marisco, por exemplo, podem conter natas!!!!)

O período mínimo imprescindível de convalescença de um «ataque cardíaco» é de cerca de um a dois meses. 
Lembro-me de que já decorridos quase dois meses, o meu marido ainda se sentia mal em lugares de luminosidade intensa ou de barulho de vozes ou música mais alta. Muitas das vezes, essas dificuldades são acentuadas pelo estado de desidratação do organismo, em pessoas que tendem a beber pouca água. Mas as sequelas podem ser diversas. Da depressão pós-enfarte à sua manifestação em fobias diversas desencadeadas pela exposição do organismo convalescente a condições de sobre-estimulação.

Das habituais tonturas a episódios em que se processa uma espécie de re-encenação pós-traumática do enfarte, com quase todos os sintomas do «ataque cardíaco»: súbita palidez, tontura indiciadora de uma quebra repentina ou de uma subida rápida de tensão arterial, acompanhada de sudorese mais ou menos abundante (suores espontâneos, em quem, no entanto, não está a fazer esforços), uma vaga dor, que sobe pelos tendões do pescoço, «moinha» num dos maxilares e necessidade imediata de repouso, com a natural desorientação de quem supõe que se trata de uma reincidência do «ataque cardíaco». A retoma da actividade deve, no entanto, ser feita gradualmente. E a actividade física deve ser necessariamente «aeróbica», isto é, regular e ritmada, exercida sem esforços súbitos.